ESPECIAIS


Marca registrada: antiga cerâmica
marajoara descoberta em escavações.



Ilha de
Marajó
Um tesouro que o brasileiro precisa conhecer.



ELEMARADUARTE
eduarte@hojeemdia.com.br

O voo colorido dos guarás, uma das muitas 
espécies de aves que habitam Marajó

SOURE (PA) – A ilha de Marajó não é um “lugar comum”, muito menos “um lugar qualquer”, pedindo licença a Gilberto Gil, autor da canção “Vamos Fugir”, em que cita o mágico lugar no extremo norte brasileiro.

A maior ilha fluviomarinha do mundo, por esse título apenas, já se mostra única, e mesmo assim ainda não foi “descoberta” pelos turistas
brasileiros. Muito longe? Nem tanto. Há vôos diretos saindo de várias capitais brasileiras para Belém, entre elas Belo Horizonte. Da capital paraense chega-se à ilha em duas horas em um pequeno navio, ou em 30 minutos por avião. Em Marajó, os rios chegam a ter a 40 quilômetros de uma margem à outra. Parecem mar, com direito a ondas, dunas e igarapés nas margens. Pela proximidade com o oceano Atlântico, esses rios, o maior deles também chamado Pará, sofrem a influência das marés, outra curiosidade para deixar qualquer pessoa com a pulga atrás da orelha. Mas a explicação é simples: na cheia, as águas correm para dentro do continente, e na vazante, para fora – tudo em um intervalo de horas. É dali que sai a mais saudável parte do cardápio dos habitantes da ilha: os peixes, que podem ser apreciados com açaí descaroçado na hora. E tempo é algo que corre manso no lugar. A dica é permanecer na ilha por pelo menos três noites. Não apenas para “bater cartão” em todos passeios, mas para entrar na energia de tranquilidade de Marajó.

Pelas cidades pequenas e seguras, com pouco mais de 20 mil habitantes, há boa e acolhedora infra-estruturar de pousadas. Ali, quase não há carros. Búfalos mansos pastam em algumas ruas. Estas vias, largas e planas, numa extensão geográfica da Planície Amazônica, são um convite para boas pedaladas no fim de tarde – não se preocupe, as pousadas alugam bicicletas por diárias justas. Não há vida mais saudável que esta: uma espécie de spa natural: “no stress”, comida light, esporte ao ar livre. A ilha é a mais importante do arquipélago que também se chama Marajó, que vem da palavra tupi “Mbara-yó”, ou “barreira do mar”. Deste nome deriva ainda a cerâmica “marajoara”, produzida na região até hoje de forma artesanal, com matérias primas nativas da beira dos gigantes rios, como os primeiros habitantes indígenas faziam.
O cartão-postal que o Pará ainda não distribuiu para os turistas brasileiros está à disposição, mesmo que esteja em debate a divisão do Estado. Em dezembro, os paraenses decidem, em plebiscito, se a parte “mais rica” paraense será um novo Estado. Marajó não entra na partilha: vai continuar lá em cima, incomum pela própria natureza, passando a ser uma Unidade Federativa, administrada diretamente pela Governo Federal.

A simpática Soure,a‘capital’doMarajó

Cidade foi planejada por Aarão Reis, o mesmo que concebeu Belo Horizonte: traçado lembra um tabuleiro de xadrez.
Vista de uma das praias da Ilha de Marajó: os rios dessa região podem ter margens tão distantes que chegam a se comportar como mar.

EMARADUARTE
eduart@hojeemdia.com.br

Se mineiro gosta é de praia, em Marajó elas aparecem às margens dos rios, que se comportam como mar. Entenda essa imagem de praia com água salobra, ou seja, água doce misturada com água salgada, que conserva uma cor verde-dourada, mas muito limpa. São áreas tranquilas, com dunas e cercadas de igarapés.Na maré baixa,em algumas delas, como é o caso da bucólica Praia do Pesqueiro, formam-se pequenas piscinas naturais ao longo de mais de um quilômetro de areia.
Na ilha, o melhor é se hospedar em Soure – considerada a capital do arquipélago de Marajó, onde há mais serviços disponíveis, como bancos, correios, restaurantes, padarias e lojas. Dali, o acesso às praias pode ser feito por meio de bicicleta, táxi ou com pequenas caminhadas atravessando pequenas vilas. Nestes lugarejos, os mora dores preservam o saudável e gentil costume,infelizmente abolido das grandes cidades, de cumprimentar quem quer que seja que passe em suas portas.
Outra opção de hospedagem é em Salvaterra, que reúne poucas pousadas com praias privativas. De Salvaterra a Soure, é preciso pegar uma balsa para uma travessia de 10 minutos. Passageiros a pé não pagam,apenas veículos. Entretanto, a melhor dica para curtir Marajó é contratar guias nas agências de Belém, que também disponibilizam o transporte de ida e volta, não apenas às praias, mas aos destinos de ecoturismo e roteiros históricos da época da ocupação dos jesuítas. Lembre-se de que a maior parte desses passeios é feita em áreas selvagens. 
Portanto, nada de dar uma
de Indiana Jones
para querer desbravar tudo sozinho.

O pacote,com passeios incluídos durante dois dias, sai a partir de R$300.

Soure foi projetada por Aarão Reis, engenheiro e arquiteto paraense que também planejou Belo Horizonte. Mais curioso ainda é se deparar, em um final de tarde,com um obelisco em concreto no meio de uma pracinha. Ilusão de ótica provocada pelo calor? Não é o “Pirulito” da Praça Sete. É apenas um monumento em tamanho menor, que homenageia o centenário da Independência do Brasil. A cidade tem ruas largas e, a exemplo de Belém, também possui imponentes mangueiras plantadas ao longo delas.

Essas grandes árvores não estão ali por acaso.Somadas ao vento, que é comum na ilha, suas sombras dão um alívio refrescante para os recorrentes 35 graus centígrados, em média, da temperatura mais que tropical. Tome a vacina contra febre amarela alguns cuidados são importantes para quem quer conhecer Marajó confortavelmente. Vacina contra febre amarela é recomendada, mas dez dias antes de embarcar para a Amazônia. A vacina precisa deste período para fazer efeito e quem a recebe estará imune por um período e dez anos.

O “pirulito” da cidade de Soure, 
planejada por Aarão Reis
Para os passeios, a sugestão é ter sua bagagem mais leve possível, devidamente etiquetada. Esteja preparado para carregar sua própria bagagem. Água, capa de chuva, chapéu ou boné, óculos de sol, roupas leves, preferencialmente de material sintético para caminhadas e ciclismo. Roupas de banho, tênis confortável para caminhada e calçado para atividades de água; protetor solar; repelente contra insetos; seus medicamentos habituais, e claro, a indispensável câmera fotográfica. Empresas que fazem pacotes com traslado e passeio em Marajó.



A pitoresca praia
De Pesqueiro 
Para chegar a Pesqueiro, estando em Soure ou Salvaterra, é preciso carro. Uma das praias mais belas da região fica em Soure, mas a cerca de 8 quilômetros do centro desta cidade. O local é também uma vila de pescadores, como indica o nome, e mantém uma reserva extrativista. Ali só podem ser construídas casinhas de madeira, conforme determinação da prefeitura. Também pudera: a maré já deixou algumas delas debaixo d’água. Problema do homem, que tem que se adaptar. Mas os moradores da ilha não se irritam com isso.
Habitante da pequena vila próxima da praia, João Faria, o “Martelo”, não pensa em sair dali. “Sou pescador aqui há 60 anos”, diz, despreocupado, enquanto calafeta frestas do seu velho barco com tiras de estopa em bebidas com zarcão. Quando a maré baixa, forma–se uma faixa de areia perolada e firme de mais de 1 quilômetro de largura e cerca de 3 quilômetros de  extensão. Centenas de pássaros, incluindo alguns guarás com suas penas avermelhadas, garças e biguás, aproveitam para estacionar seus bandos e catar alimentos na areia. Piscinas naturais na areia da Barra Velha outra preciosidade de Soure é Barra Velha. A região chama a atenção pelas gigantescas raízes aéreas dos mangueiros. Mais próxima do centro da cidade, seu acesso é feito a pé por uma ponte de madeira, passando por cima do mangue. As piscinas naturais são formadas na areia pelo movimento das marés, porém, a faixa de areia até a água é um pouco menor que a de Pesqueiro.
Na Praia Grande ,em Marajó, o rio tem ondas e os surfistas aproveitam para praticar seu esporte.
Em Salvaterra, a Praia Grande é uma das mais populares. Ali é possível avistar a imensidão de água do rio Pará. Não se vê a outra margem. Em alguns pontos, a distância entre uma margem e outra chega a 40 quilômetros. É rio, mas se comporta como mar. Ondas de até 1,5 metro chegam a se formar em algumas épocas do ano. Alguns surfistas se aproveitam disso. Barra Velha, Pesqueiro, Praia Grande entre outras praias da ilha, possuem infraestrutura de restaurantes, que servem basicamente comidas com frutos do mar ou com carne de búfalo e acompanhamentos. (E.D.)

As deliciosas iguarias e histórias de Marajó
A culinária, à base de peixes da região e carne de búfalo, é farta e saborosa. Informalidade é a marca registrada.
O sapoti é uma das frutas típicas da ilha de Marajó. A manga também está presente por todo lado.
O casal Antônio e Dete, do Paraíso Verde: o filhote grelhado é um dos pratos campeões. 
ELEMARADUARTE
eduarte@hojeemdia.com.br

Maria Helena Lima, a “Elenita”, recebe todos os clientes com um abraço afetuoso no seu restaurante a beira-rio, em Soure. Além de boa comida, Elenita faz questão de recepcionar os turistas como se fossem da família. Sentir-se em casa no restaurante da sua pousada é fácil. Difícil é arredar o pé dali depois do almoço e deixar para trás as fantásticas histórias que conta a belenense radicada na ilha há cerca de duas décadas. “Costumo brincar que a minha pousada é cinco estrelas: eu, meu marido (o não menos simpático Sr. Lima) e meus três filhos”, anuncia, em quanto traz da cozinha um generoso prato de filé de búfalo à moda.

Preciosidade da cozinha “elenista” é também a farofa amarela, crocante e saborosa, ótima para acompanhar um belo filé de dourada. Farofa de acompanhamento vai, comida boa vem, e o Rio Paracauary desce, aos pés dos fregueses, sob o deque onde está o restaurante. Quando menos se espera, o rio se movimenta em sentido contrário – influência do Rio Pará, que deságua no mar, a mais de 50 quilômetros dali. Elenita conta que a pousada foi construída onde antigamente existia um quilombo. Elenita estampa nos olhos a mesma alegria e liberdade dos antigos moradores. Tira as sandálias para pisar naquele chão. Abraça as árvores. “Tenho muito respeito por isso daqui”, diz, emocionada. Às margens do rio, de onde vem grande parte dos ingredientes de sua cozinha, ela contempla as águas. No meio da mata, o restaurante Paraíso Verde faz jus ao nome. Mais um empreendimento familiar, como a maioria dos comerciantes da ilha. O casal Antônio e Dete – no comando da cozinha, da recepção dos fregueses e do frescor das matérias-primas – cria ramo local com poucas interferências nas árvores já existentes no lote. Filhote grelhado, peixe da região, que pelo tamanho não tem nada de filhote está entre os mais pedidos. O cinco “mega” pedaços fazem deduzir o tamanho do bicho, que pode chegar a um metro de comprimento. O restaurante ainda serve pratos à base de caranguejo. Dete estava preocupada com sua participação na exposição agropecuária que aconteceria na cidade. “Vou ser jurada do ‘frito no vaqueiro’. Carne de boi ou búfalo cozida na gordura. É uma delícia”. A cozinheira diz que o prato era feito por vaqueiros, que o levavam nas comitivas. No final, depois de comer “comorei”, de brinde,um refrescante “Creme de Mangaba” – a fruta é batida com creme de leite e gelada como sorvete.  A dica: Pupunha no café da manhã.

Médico nutricionista há mais de 10 anos, com atuação e paixão por Marajó, onde nasceu, Sandro Vilaça explica que as frutas da região dão tudo o que o organismo humano precisa. “Pupunha é esta fruta aqui. Ela é cozida com água e sal e comemos no café Da manhã”, indica. O nutricionista diz que chegou a fazer um estágio em BH, no Atlético Mineiro, onde incorporou alguns produtos típicos paraenses na alimentação de alguns atletas, como o açaí. Em Marajó, a frutinha negra – badaladíssima no Sudeste brasileiro – é em contrada por todo lugar. O pacotinho com aproximadamente um litro da poupa, sem congelar, sai a R$5, aproximadamente. Na ilha, mas também em Belém, usa-se o açaí com farinha, como se fosse um pirão, com peixe ou desjejum. “Açaí com açúcar é coisa de vocês, lá em BH”, brinca Vilaça.
Forasteiros’ instalaram
Pousadas e hotéis na ilha.
Marajó recebeu moradores que vieram de longe no passado, mas ainda é motivo de encantamento de muitos forasteiros. Seguindo o roteiro – dobradinha “boa hospedagem mais boa comida”, outra dica é o Hotel Casarão Amazônia. O pequeno hotel está instalado em um charmoso casarão do século XVIII, no centro de Soure. Os “forasteiros” em questão são italianos, que visitaram a ilha e se apaixonaram pelo lugar. Para manter a tradição do país da bota, o hotel mantém uma pizzaria com forno a lenha –boa pedida para a noite na cidade.
Em Salvaterra, na Pousada dos Guarás, uma das mais tradicionais, há também restaurante com comidas regionais. Para visitar os restaurantes, lanchonetes da ilha, leve dinheiro vivo para fazer os pagamentos. A maior parte deles não dispõe de “maquininhas” para débito ou crédito. Mas não se preocupe em levar grandes fortunas nos bolsos. As refeições com acompanhamento, que servem duas pessoas até se fartarem ficam em torno de R$ 30. Bebidas à parte. Os cremes à base de frutas típicas da região, em alguns locais, são servidos como cortesia. Alguns hotéis também disponibilizam passeios em búfalos e de barco, junto aos igarapés. Passeios apé ou sobre búfalos nestas regiões, de onde são catados caranguejos servidos nos restaurantes, o esplendor da natureza é obrigatório de ser admirado. Estes passeios custam em média R$ 80, com acompanhamento de guias e materiais de segurança como coletes salva-vidas. Porém, é preciso saber nas recepções das pousadas os horários em que a maré está alta, para que o passeio se torne mais completo e sem problemas – em período do dia com a maré baixa, o trajeto é feito a pé ou todo sobre os búfalos. Um cuidado prático que faz lembrar de um dos termos pelo qual os habitantes marajoaras eram conhecidos: “o povo das águas”.

Cerâmica marajoara: uma arte que
Simboliza a alma e a vida de um povo.

O antigo processo de fabricação permite que as cores sejam preservadas para sempre.
ELEMARADUARTE
eduarte@hojeemdia.com.br

Entrar no ateliê de cerâmica dos artesãos Carlos e Rosângela Amaral é como fazer uma viagem no passado para conhecer de costumes artísticos centenários.
Em uma casa simples, com um cômodo na entrada para a oficina, vão se mostrando mágicas da natureza à serviço da arte. Amais curiosa dessas mágicas é a cor das peças. O casal é um dos poucos na ilha que tentam manter o modo milenar de produção das peças. Depois de modelada, a peça recebe uma demão de um esmalte encontrado próximo das praias de rio em Marajó, o argilito, mas apenas no período de seca. Eles raspam a pedra que varia em tons grenás, misturam com água, aplicam sobre a cerâmica e com dentes e pedaços de ossos de animais dão o polimento. Depois das peças serem queimadas no forno, a cor não sai mais. Prova disso são as peças encontradas em sítios arqueológicos em grande parte da ilha. Desenhos na forma de complicados labirintos com esses mesmos pedaços de ossos, os artesãos também desenham a “grega marajoara”, outra característica direta da cerâmica da ilha. Estes desenhos variam entre abstratos, como se fossem labirintos, e também fazem representações de animais e insetos, tudo com um significado mágico por trás. Os apo, segundo Rosângela, simboliza saúde ao casal. Arte repleta de simbologismos Rosângela explica algumas das peças, uma espécie de vaso com formato de sapo, quando deitado,usado em cerimônias de casamento. O vasinho, chamado de “Cumaru”, tem dois furos por onde se colocava água e a partir dali o noivo bebia de um lado e a noiva do outro. “A peça simboliza a união do casal”, explica. Carlos aprendeu a criar as cerâmicas com a avó, descendente da tribo aruã, que existiu até por volta de 1700, em Marajó. Hoje, com a pequena oficina em Soure, o casal consegue manter as tradições e ainda viver com a sua arte.
A artesã Rosângela Amaral tem muitas histórias para contar
Ronaldo Guedes se inspira nas técnicas dos antigos índios, de mais de cinco séculos atrás.
A fase mais estudada da cerâmica marajoara original, feita pelos antigos índios, se refere ao período entre os anos de 400 e 1400, ou seja, até pouco antes da chegada dos portugueses ao litoral brasileiro.

PASSEAR EM BÚFALO É OBRIGATÓRIO
Jovem artesão da ilha se inspira nos antigos.

Se no ateliê de Amaral, a tradição é a sua busca constante, na casa de artesanato do jovem escultor Ronaldo Guedes a meta é a criatividade a partir dos conhecimentos antigos. Ele cria peças com inspiração nas gregas, mas também com madeira e sementes da região. O artista, que também vive em Soure, ministra pequenos cursos de artesanato de um a dois dias na sua oficina. “A pessoa quer saber como são feitas as peças. Mas tem alguns turistas que gostam mesmo é de colocar a sua energia no barro, tirar o estresse durante a criação”, explica. Informações pelo e-mail artemarajo@ hotmail.com.
A cultura marajoara começou a ser estudada desde o final do século XIX, quando viajantes naturalistas tomaram conhecimento da cerâmica funerária da ilha. Há estudos arqueológicos que defendem que a cultura marajoara originou-se localmente, a partir de um processo de mudança cultural que ocorreu entre as comunidades que já habitavam a Ilha desde há 3.500 anos. Em outros estudos, datações radio carbônicas estimam que a expansão foi
maior no século XIV. Não existem mais tribos em Marajó. A suspeita é de que esses povos migraram para outras regiões ou mesmo, de que se auto eliminaram. Alguns artesãos lamentam que não haja empenho governamental para preservar os achados dos sítios arqueológicos. (E.D.)











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