Entrevista
para Marajó na Mídia concedida pelo Sr. Assunção do Socorro Correa Novais o “Cacau”,
membro do CODETEM (Coordenação de Desenvolvimento do Território do Marajó). Nesta
entrevista Cacau fala sobre a missão do CODETEM explicando como é feito o trabalho
desse grupo de marajoaras, suas principais reivindicações e proposições diante
dos governos municipais, estadual e federal, identifica alguns dos maiores
problemas que entravam o desenvolvimento do Marajó. Acompanhem agora a nossa
entrevista com esse Pescador Artesanal, nascido em Curralinho, que nos brinda
com sua apurada visão geopolítica sobre o Marajó.
Marajó na Mídia - Quando
foi criado o CODETEM?
CACAU – O CODETEM
já vinha sendo discutido há muito tempo, junto com o Plano do Marajó, dentro da
visão da Igreja Católica. Já era comentado desde as Comunidades Eclesiásticas
de Base (CEB’S), até que se chegou ao ponto de criar o Plano do Marajó e o
Governo Federal criou o Programa do Território da Cidadania. Como o Marajó
contempla os dois, foi que resolvemos fazer a unificação dos projetos, é nesse
momento que nasce o colegiado, a partir do ano de 2006.
MM- Qual é
atuação do CODETEM no Marajó?
CACAU –
Atuamos no controle das obras sociais, dos planos macros que surgem
provenientes do Plano do Marajó. Opinamos e colaboramos com as decisões através
do PROINF (Secretaria de Desenvolvimento Territorial), sobre as obras de
infraestrutura para o Marajó. Atuamos na fiscalização dos recursos provenientes
do Governo Federal para as ilhas.
MM – Quais são os principais temas debatidos pelo CODETEM atualmente?
CACAU – Nesse
final de ano de 2011, saímos de uma plenária sobre regularização fundiária, que
é o que emperra todas as obras de infraestrutura do Governo Federal e Estadual
dentro dos municípios, pela não regularização das áreas e, estamos finalizando
o planejamento do “Olhar Marajoara Sobre a Educação Ribeirinha”, onde vamos
tratar todos os projetos do governo com a visão
do marajoara, para melhor adequá-los à nossa realidade, seja ela educação
do campo, ribeirinha ou informal. Em seguida temos uma programação para Muaná,
onde trataremos sobre a sustentabilidade do setor pesqueiro da ilha, que é um
dos fatores fundamentais, pois todo marajoara direta ou indiretamente pratica e,
num terceiro momento, discutiremos a situação da sobrevivência do lago Ararí, nós
propusemos a transformação deste em uma reserva para resguardamos sua
sobrevivência. Nós do CODETEM pretendemos discutir esse tema junto aos órgãos
públicos das regiões de campos.
MM - Qual a
formação do CODETEM?
CACAU – Somos
formados por 31 entidades do Poder Público e 31 da Sociedade Civil Organizada,
somando 62 entidades, mas, nem todas estão em atividades, por isso, uma das
metas de Portel é fazer a redução dessas que estão inertes, para que possamos
ganhar maior mobilidade.
MM - Existe
remuneração para os membros do CODETEM?
CACAU
– Não! Nem um membro da Sociedade Civil recebe salário, nosso trabalho é
voluntário! O que é mantido pelas entidades, como no caso a Z37, que é a minha,
ela subsidia as nossas passagens e alimentação quando estamos participando de
debates fora do nosso eixo, existem casos de alguns dos eventos, em que somos
convidados a participar, pagarem nossas passagens, alimentação e hospedagem.
MM- Qual o
grande diferencial das pessoas que compõem o grupo CODETEM?
CACAU –
Acredito que seja pelo fato de que o grupo é constituído por quilombolas,
movimento de mulheres, pescadores, assentados, produtor rural, entre outros. É
todo esse povo que vem através do colegiado dizer o que sente, o que quer e
onde está doendo, para o governo. É a partir dessas realidades que nos
credenciamos e procuramos nos qualificar para discutir nossas necessidades e,
graças a Deus, é através disso que estamos avançando bastante em nossas negociações
com o governo.
MM – É pelo
fato de todos serem nativos, que você defende a tese de que o “Programa Olhar
Marajoara Sobre a Educação” tem de ser pensado como um plano ribeirinho e não
de centro urbano?
CACAU –
Veja! Existe a questão da cidade, mas quando nós falamos “ribeirinho” é porque
o Governo Federal tem uma política para todo o país, não tem uma política
diferenciada e, em nossa visão, o Marajó tem um diferencial geográfico
gigantesco, com a acessibilidade das mais difíceis. Nossa geografia de furos e
campos é totalmente diferenciada do resto do país então, quando colocamos pro
governo “Educação Ribeirinha” é pra mostrar que a maioria absoluta da população
marajoara está concentrada nas comunidades ribeirinhas e não nos centros, onde
o número é bem inferior e, é lá que estão os maiores
índices de analfabetismo do arquipélago. O diagnóstico do governo, não
condiz com a nossa realidade, com isso a política governamental não nos atinge,
o exemplo disso é que o MEC (Ministério da Educação) não nos contempla com um
de seus planos para a construção de escolas e, por conseguinte, o Ministério da
Saúde pela construção de postos de saúde, porque o programa de ambos, só
constrói esses prédios de alvenaria em terra firme. Como é que eu vou construir
uma escola de alvenaria numa área de várzea ou na beira de um rio? Este é o motivo
de nossas propostas irem de encontro com essa prática dentro das plenárias e
reuniões que participamos. Encaminhamos documentos comprovando que nossa
realidade é totalmente diferente do sul e sudeste do Brasil.
MM – Com isso,
você afirmaria que fazer políticas públicas para o sul, sudeste e centros
urbanos são muito mais fáceis do que pro Marajó?
CACAU – É
bem diferente e muito mais difícil! Geralmente, os técnicos do governo, não
conhecem a realidade de cada área, baseiam-se em alguns focos do sul e sudeste
e os planos são elaborados em Brasília. Não são ouvidos os pesquisadores e nem
o marajoara. Sua prática é tentar adaptar suas propostas para a nossa situação,
que é totalmente diferente. O custo/aluno do Marajó é três, quatro vezes maior
do que o MEC propõe. A alimentação é diferenciada, a acessibilidade é por barco
e canoa. Tudo isso, transformamos em pauta, para mostrar para o governo qual é
a nossa verdadeira realidade e necessidades. Pra você ter uma ideia o aluno
marajoara gasta de 2 a 3 horas para chegar à escola ou sala de aula, esses
fatores não estão contemplados dentro do plano do Governo Federal. A realidade
do sul e sudeste nas regiões metropolitanas é outra, eles têm o ônibus, que tem
acento, cinto de segurança, estradas com algum policiamento, entre vários outros
fatores que os favorecem, aqui, nossos barcos não são adaptados, não possuem
salva-vidas, não possuem iluminação para a navegação noturna, não tem rádio de
comunicação, se acontecer algum problema eles ficam à deriva por conta da
própria sorte. Eu
afirmo, que é um descaso total, na hora de comparar a educação do Marajó com a
de uma área metropolitana e dos grandes centros.
MM – Você
considera essa realidade um entrave para o desenvolvimento do Marajó?
CACAU – Em
minha opinião esse é o principal! Avançamos muito quando nucleamos alguns
municípios porém, quando o MEC e a SEDUC elaboram os projetos, eles orçam o
mesmo valor pro sul, que tem áreas de terra firme ou de melhor acesso e esse
mesmo valor para o Marajó. Eu não estou aqui defendendo a administração pública
dos municípios, mas não tem como uma Secretaria de Educação aplicar 100% do recurso
e ter os mesmos resultados da educação de fora. Essa Secretaria, pra conseguir
o resultado de um aluno, ela tem que investir, em dinheiro e tempo, o
equivalente a quatro ou cinco alunos, ou seja, é uma conta que não bate.
MM – Quanto ao
desenvolvimento econômico do Marajó, o que vem sendo feito por parte do governo
e qual as proposições do CODETEM quanto a essa matéria?
CACAU – No
momento estamos pedindo retorno das pesquisas que foram feitas no Marajó por
alguns órgãos do governo, que sabem de nossa qualitativa de produção, sabem o que
nós produzimos, porém não tem políticas estruturantes para o beneficiamento do
nosso produto. Temos uma grande produção de açaí, peixe, camarão, óleos
vegetais, madeira. Só, que, dentro desse contexto, as políticas do Governo Federal
acabam ficando pelo caminho, devido não ter a regularização para ser implantada.
Por exemplo, uma agroindústria, os técnicos, os engenheiros químicos, arquitetos
ou qualquer um da área, cobram o triplo do valor, em vez deles passarem um dia,
acabam levando quatro, cinco dias pra realizar um estudo que, nas áreas urbanas
eles concluem em um dia. Tudo é mais caro e, o governo não faz essa
contabilidade, querem pagar o mesmo valor do trabalho que é feito em Belém pro
trabalho a ser realizado aqui no Marajó. Ainda nesse contexto de produtividade,
nós estamos cobrando que, na área da pesca, do camarão, seja feito o
beneficiamento desse produto no Marajó e, com o subproduto, nós possamos
produzir adubo, ração. Tem a questão da farinha, óleos vegetais, as rebío - que
são os biomas naturais-, o artesanato, cerâmica, toda a nossa cultura, em si,
não esta sendo olhada com o devido valor. E, o nosso colegiado, esta aqui para
abrir os olhos do poder público, pra mostrar que nós temos tudo isso e, nós
sabemos fazer nosso artesanato, nossos apetrechos de pesca, sabemos pescar
nosso camarão. Mas queremos estrutura pra trabalhar, nós produzimos e nossas estatísticas
estão indo pro MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - e
Belém e, se você olhar essas estatísticas do Governo Estadual e Federal, o
Marajó não produz nada, o IDH do Marajó é baixo porque
o governo comenta, mas não investe! Nós estamos tentando manter um
discurso qualificado para ir em contraponto de tudo que é posto por parte deles,
nós também somos vistos como potencial turístico, porém, não há investimento.
MM – Então,
pra que servem essas estatísticas sobre o Marajó, sempre repetidamente baixas,
contendo alguns dos piores índices do mundo, se tão pouco é feito para a
resolução dos problemas?
CACAU – Da
pra interpretar da seguinte forma: isso parece que é feito para que a sociedade
civil nacional e internacional veja o Marajó como se fosse um coitadinho. Nós
não somos coitadinhos e nem queremos ser vistos dessa forma. Nós temos e
sabemos qual é o nosso potencial e não queremos ninguém vindo com uma esmolinha
na mão. Nós queremos que venham, sim, mas que tragam políticas estruturantes e,
não, mão-de-obra de fora. Queremos qualificar a mão-de-obra local para que o
nosso produtor, o nosso pescador, o irmão ribeirinho possam evoluir dentro do
que nós temos e sabemos fazer, e nós temos muito, ou será que ainda não deu pra
ver? Nós temos terra, temos conhecimento, somos trabalhadores honestos, filhos
desta terra. Os técnicos têm que vir pra adaptar o conhecimento técnico à nossa
mão-de-obra local, à nossa própria história, como “tu citou”. Já vem fazendo e
provando isso, porque muito antes de chegar qualquer cidadão, os índios já
represavam o rio para criar peixe, nosso conhecimento é hereditário, seja para
a cultura, história, que pode ser explorada turisticamente, entre tantos outros
investimentos. O que falta é o governo abrir os olhos e não trabalhar o Marajó
como se fosse apenas esse ou aquele município e, sim, reconhecendo que nós
somos constituídos de 16 municípios, com culturas diferenciadas que precisam de
políticas diferenciadas.
Da redação:
MARAJÓ NA MÍDIA
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