No ano de 1900, o Estado do
Pará era governado por José Paes de Carvalho, o qual entendeu que para o
desenvolvimento da agricultura no Estado eram necessários mais braços na lavoura,
o que seria possível através dos migrantes. Então, seguindo as metas desse projeto
foi implantada no Marajó, mais especificamente, em Salvaterra, a Colônia
Agrícola Paes de Carvalho.
Nesse período, Salvaterra,
ainda na condição de vila atrelada ao município de Soure, possuía apenas três
ruas e três travessas, que compreendem respectivamente, as hoje conhecidas ruas
10 de março, 29 de dezembro e Cearense e as travessas, Beira-mar, 2ª e 3ª
travessa, essa chamada nos dias atuais de Avenida Victor Engelhard. A Colônia
Paes de Carvalho ficava localizada a 3 km da vila.
Segundo Edeltrudes Corrêa e
Assis, filho de nordestinos emigrados e conhecido na cidade de Salvaterra como
“Seu Getúlio Assis”, a Colônia era distribuída em 45 lotes com aproximadamente
45.554 m2 no total, contando com uma estrutura em que cada lote possuía as
seguintes construções: uma casa residencial de madeira coberta com cavacos também
de madeira, uma casa de forno coberta com palhas de anajazeiro, destinada também
à fabricação de farinha de mandioca, e um poço de água potável do tipo boca
aberta. As casas, pequenas, eram cobertas com cavacos de madeira. Havia uma
igrejinha, localizada próxima à linha 2 – estrada rumo à comunidade de Bacabal.
Em toda a colônia havia uma boa quantidade de pessoas, oriundas de vários
lugares do Nordeste (Sr. Edeltrudes Corrêa de Assis, em entrevista realizada
dia 31/08/08).
Foram recrutadas para povoar
e trabalhar na colônia, segundo Seu Getúlio Assis, 25 famílias cearenses, 5
famílias rio-grandenses do norte, 3 famílias pernambucanas, 2 famílias piauienses
e mais 10 famílias de outros estados do nordeste do Brasil, que chegaram a
Salvaterra a partir de 1900, perfazendo 45 famílias assentadas. Sob o comando do coronel Bezerra,
os imigrantes desembarcaram na ilha do Outeiro e de lá foram encaminhados para
Salvaterra. Segundo Seu Getúlio Assis, foi o coronel Bezerra quem determinou
que o Sr. José Corrêa de Lima – imigrante do Estado do Ceará – fosse o primeiro
administrador da colônia. Entretanto, como esse senhor tinha um pequeno comércio
(taberna) na 2ª rua da vila de Salvaterra, e outros afazeres políticos, ele foi
substituído pelo Sr. Macário Silva, na administração da Colônia. Foi estipulado
um prazo de dois anos para a aclimatação e adaptação dos colonos. Nesse período
cada família recebia a ajuda de um “rancho” de mercadorias (equivalente a uma
cesta básica por mês). No contexto da implantação das famílias nordestinas em solo
salvaterrense, efetivou-se um problema a ser enfrentado pelos seus componentes.
A desconfiança com que os moradores locais recebiam os imigrantes, o que teria
levado a existir alguns litígios entre os nordestinos instalados e a população
local.
Afirma-se que depois de
ativada a Colônia Agrícola Paes de Carvalho, ela foi grande exportadora de
tomate, aproveitando as viagens de barcos freteiros e do navio Miguel Bitar que
passou a fazer viagens regulares na recém inaugurada linha marítima Soure –
Belém, pelo então Governador do Estado Sr. Dr. Augusto Montenegro. Segundo Seu
Getúlio Assis, com o passar dos anos a Colônia Agrícola Paes de Carvalho foi
entrando em um processo de decadência, efetivada através da diminuição da vinda
de imigrantes para a região, além do deslocamento de seus moradores para outras
vilas de Salvaterra. Para ele, os principais motivos que contribuíram para isso
foram:
- As constantes brigas entre os imigrantes e os nativos;
- As mortes nas famílias por motivo de aclimatação;
- O medo das consequências climáticas decorrentes da passagem do cometa Halley, na noite de 18 de maio de 1910;
- Mudança no Governo do Estado, pois o Governador Augusto Montenegro priorizava os meios de transporte e não a agricultura e os assentamentos de imigrantes;
- O fim, após dois anos, da ajuda com o “rancho” (cesta básica mensal);
- Enchentes na área, ocorridas nos invernos mais cavernosos.
Além desses fatores, o
narrador ainda aponta o êxodo interno, porque alguns agricultores saíram da
Colônia e começaram a se deslocar à vila para trabalharem como pescadores, o que
os levou a morar na 3ª rua da vila de Salvaterra, no perímetro hoje localizado
entre a Avenida Victor Engelhard e a Avenida Beira-Mar, espaço batizado pelos moradores
locais de “Bairro dos Cearenses”, o qual, em 1990, foi homologado por Lei
Municipal como “Rua Cearense”, como forma de perpetuar a importância desse povo
para o progresso, cultura e história de Salvaterra. Muitos nordestinos, antes
mesmo do fim da Colônia, deslocaram-se para a região, hoje fica próximo do
hospital municipal, na época chamado de Bairro dos Cearenses. Eles se dedicaram
à pesca e, eram comandados pelo Seu Chico Cruz e pelo Seu Antônio Mendonça,
conhecido pelo apelido de “Porém” (Sr. Edeltrudes Corrêa de Assis em entrevista
realizada no dia 31/08/2008). Apesar da dissolução da colônia agrícola por
volta de 1915, durante o período da 2ª Guerra Mundial, entre 1941 e 1945,
várias outras famílias nordestinas continuaram chegando a Salvaterra, entre
elas muitas das que fizeram parte do grupo então chamado “soldados da borracha”
destinados à extração gomífera na Amazônia.
Salvaterra atual. |
Segundo o Prof. Jaime Corrêa
de Assis, idealizador da bandeira, brasão e hino do município de Salvaterra, e
filho de nordestinos emigrados para a região, a segunda leva de imigrantes foi
marcada pela espontaneidade. Pois, segundo ele, essas pessoas vieram induzidas
por amigos e parentes que em Salvaterra moravam ou haviam morado. A respeito
disso, conta Dona Francisca Craveiro, filha de cearenses, radicada desde esse
período na região: “Viemos para o Pará
durante a 2ª Guerra Mundial. Saímos da cidade de Balsas no Ceará e nos
deslocamos para Belém. Em busca de terras viemos parar em Soure e, depois, nos
deslocamos para Salvaterra. Viemos primeiro para o Carananduba (região às
margens do rio Paracauari), onde começamos a nossa produção agrícola”
(Sra. Francisca Craveiro em
entrevista realizada no dia 16/08/2008).
Entre os muitos nordestinos
emigrados, podem ser destacados o cearense Alexandre Almeida, que teria se
destacado na política local por ser o primeiro a defender a emancipação política
de Salvaterra em relação ao município de Soure; o norte rio-grandense Raimundo
Pinheiro Gurgel, que era proprietário de uma taberna que ficava localizada no
porto da vila e de uma canoa freteira chamada “Cidade de Salvaterra”, que
devido à sua popularidade veio a ser eleito, durante a década de 1980, Prefeito
de Salvaterra. Para muitos salvaterrenses os nordestinos deixaram um enorme
legado, como a pesca artesanal, a produção de renda, a produção da rede de
dormir tecida no tear, a produção do sabão da castanha de andiroba, o sabão de
coco, a vela de sebo de carneiro, o mel ou melado feito da garapa da
cana-de-açúcar, entre outras riquezas da cultura nordestina.
Segundo a memória de muitas
pessoas da população salvaterrense, muitos saberes de sua farmácia caseira,
fazem parte dessa herança, podendo ser destacados a carmelita ou ervacidreira, para
desobstruir o intestino no caso de indigestão; o óleo do bicho do coco do
tucumã, para se fazer fricções nos inchaços e inflamações; o chá da folha do
pariri com a casca da sucuba branca, como remédio para a anemia; o sumo do
mastruz para se livrar das verminoses; as garrafadas feitas com leite do
amapazeiro com chocolate, noz moscada, puxuri e vinho tinto para curar a
fraqueza em geral e através desses conhecimentos, do povo local dizia que os
nordestinos inventaram a farmácia do pobre.
TRECHO RETIRADO
DO LIVRO “REMANDO POR CAMPOS E FLORESTAS”
Por: Luiz
Antonio da Silva
Waldeci
Pena Miranda
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