sábado, 18 de fevereiro de 2012

A MIGRAÇÃO NORDESTINA PARA SALVATERRA


No ano de 1900, o Estado do Pará era governado por José Paes de Carvalho, o qual entendeu que para o desenvolvimento da agricultura no Estado eram necessários mais braços na lavoura, o que seria possível através dos migrantes. Então, seguindo as metas desse projeto foi implantada no Marajó, mais especificamente, em Salvaterra, a Colônia Agrícola Paes de Carvalho.

Nesse período, Salvaterra, ainda na condição de vila atrelada ao município de Soure, possuía apenas três ruas e três travessas, que compreendem respectivamente, as hoje conhecidas ruas 10 de março, 29 de dezembro e Cearense e as travessas, Beira-mar, 2ª e 3ª travessa, essa chamada nos dias atuais de Avenida Victor Engelhard. A Colônia Paes de Carvalho ficava localizada a 3 km da vila.



Segundo Edeltrudes Corrêa e Assis, filho de nordestinos emigrados e conhecido na cidade de Salvaterra como “Seu Getúlio Assis”, a Colônia era distribuída em 45 lotes com aproximadamente 45.554 m2 no total, contando com uma estrutura em que cada lote possuía as seguintes construções: uma casa residencial de madeira coberta com cavacos também de madeira, uma casa de forno coberta com palhas de anajazeiro, destinada também à fabricação de farinha de mandioca, e um poço de água potável do tipo boca aberta. As casas, pequenas, eram cobertas com cavacos de madeira. Havia uma igrejinha, localizada próxima à linha 2 – estrada rumo à comunidade de Bacabal. Em toda a colônia havia uma boa quantidade de pessoas, oriundas de vários lugares do Nordeste (Sr. Edeltrudes Corrêa de Assis, em entrevista realizada dia 31/08/08).

Foram recrutadas para povoar e trabalhar na colônia, segundo Seu Getúlio Assis, 25 famílias cearenses, 5 famílias rio-grandenses do norte, 3 famílias pernambucanas, 2 famílias piauienses e mais 10 famílias de outros estados do nordeste do Brasil, que chegaram a Salvaterra a partir de 1900, perfazendo 45 famílias assentadas. Sob o comando do coronel Bezerra, os imigrantes desembarcaram na ilha do Outeiro e de lá foram encaminhados para Salvaterra. Segundo Seu Getúlio Assis, foi o coronel Bezerra quem determinou que o Sr. José Corrêa de Lima – imigrante do Estado do Ceará – fosse o primeiro administrador da colônia. Entretanto, como esse senhor tinha um pequeno comércio (taberna) na 2ª rua da vila de Salvaterra, e outros afazeres políticos, ele foi substituído pelo Sr. Macário Silva, na administração da Colônia. Foi estipulado um prazo de dois anos para a aclimatação e adaptação dos colonos. Nesse período cada família recebia a ajuda de um “rancho” de mercadorias (equivalente a uma cesta básica por mês). No contexto da implantação das famílias nordestinas em solo salvaterrense, efetivou-se um problema a ser enfrentado pelos seus componentes. A desconfiança com que os moradores locais recebiam os imigrantes, o que teria levado a existir alguns litígios entre os nordestinos instalados e a população local.

Afirma-se que depois de ativada a Colônia Agrícola Paes de Carvalho, ela foi grande exportadora de tomate, aproveitando as viagens de barcos freteiros e do navio Miguel Bitar que passou a fazer viagens regulares na recém inaugurada linha marítima Soure – Belém, pelo então Governador do Estado Sr. Dr. Augusto Montenegro. Segundo Seu Getúlio Assis, com o passar dos anos a Colônia Agrícola Paes de Carvalho foi entrando em um processo de decadência, efetivada através da diminuição da vinda de imigrantes para a região, além do deslocamento de seus moradores para outras vilas de Salvaterra. Para ele, os principais motivos que contribuíram para isso foram: 
  • As constantes brigas entre os imigrantes e os nativos;
  • As mortes nas famílias por motivo de aclimatação;
  • O medo das consequências climáticas decorrentes da passagem do cometa Halley, na noite de 18 de maio de 1910;
  • Mudança no Governo do Estado, pois o Governador Augusto Montenegro priorizava os meios de transporte e não a agricultura e os assentamentos de imigrantes;
  • O fim, após dois anos, da ajuda com o “rancho” (cesta básica mensal);
  • Enchentes na área, ocorridas nos invernos mais cavernosos.

Além desses fatores, o narrador ainda aponta o êxodo interno, porque alguns agricultores saíram da Colônia e começaram a se deslocar à vila para trabalharem como pescadores, o que os levou a morar na 3ª rua da vila de Salvaterra, no perímetro hoje localizado entre a Avenida Victor Engelhard e a Avenida Beira-Mar, espaço batizado pelos moradores locais de “Bairro dos Cearenses”, o qual, em 1990, foi homologado por Lei Municipal como “Rua Cearense”, como forma de perpetuar a importância desse povo para o progresso, cultura e história de Salvaterra. Muitos nordestinos, antes mesmo do fim da Colônia, deslocaram-se para a região, hoje fica próximo do hospital municipal, na época chamado de Bairro dos Cearenses. Eles se dedicaram à pesca e, eram comandados pelo Seu Chico Cruz e pelo Seu Antônio Mendonça, conhecido pelo apelido de “Porém” (Sr. Edeltrudes Corrêa de Assis em entrevista realizada no dia 31/08/2008). Apesar da dissolução da colônia agrícola por volta de 1915, durante o período da 2ª Guerra Mundial, entre 1941 e 1945, várias outras famílias nordestinas continuaram chegando a Salvaterra, entre elas muitas das que fizeram parte do grupo então chamado “soldados da borracha” destinados à extração gomífera na Amazônia.

Salvaterra atual.
Segundo o Prof. Jaime Corrêa de Assis, idealizador da bandeira, brasão e hino do município de Salvaterra, e filho de nordestinos emigrados para a região, a segunda leva de imigrantes foi marcada pela espontaneidade. Pois, segundo ele, essas pessoas vieram induzidas por amigos e parentes que em Salvaterra moravam ou haviam morado. A respeito disso, conta Dona Francisca Craveiro, filha de cearenses, radicada desde esse período na região: “Viemos para o Pará durante a 2ª Guerra Mundial. Saímos da cidade de Balsas no Ceará e nos deslocamos para Belém. Em busca de terras viemos parar em Soure e, depois, nos deslocamos para Salvaterra. Viemos primeiro para o Carananduba (região às margens do rio Paracauari), onde começamos a nossa produção agrícola”
(Sra. Francisca Craveiro em entrevista realizada no dia 16/08/2008).

Entre os muitos nordestinos emigrados, podem ser destacados o cearense Alexandre Almeida, que teria se destacado na política local por ser o primeiro a defender a emancipação política de Salvaterra em relação ao município de Soure; o norte rio-grandense Raimundo Pinheiro Gurgel, que era proprietário de uma taberna que ficava localizada no porto da vila e de uma canoa freteira chamada “Cidade de Salvaterra”, que devido à sua popularidade veio a ser eleito, durante a década de 1980, Prefeito de Salvaterra. Para muitos salvaterrenses os nordestinos deixaram um enorme legado, como a pesca artesanal, a produção de renda, a produção da rede de dormir tecida no tear, a produção do sabão da castanha de andiroba, o sabão de coco, a vela de sebo de carneiro, o mel ou melado feito da garapa da cana-de-açúcar, entre outras riquezas da cultura nordestina.

Segundo a memória de muitas pessoas da população salvaterrense, muitos saberes de sua farmácia caseira, fazem parte dessa herança, podendo ser destacados a carmelita ou ervacidreira, para desobstruir o intestino no caso de indigestão; o óleo do bicho do coco do tucumã, para se fazer fricções nos inchaços e inflamações; o chá da folha do pariri com a casca da sucuba branca, como remédio para a anemia; o sumo do mastruz para se livrar das verminoses; as garrafadas feitas com leite do amapazeiro com chocolate, noz moscada, puxuri e vinho tinto para curar a fraqueza em geral e através desses conhecimentos, do povo local dizia que os nordestinos inventaram a farmácia do pobre.

TRECHO RETIRADO DO LIVRO “REMANDO POR CAMPOS E FLORESTAS”
Por: Luiz Antonio da Silva
      Waldeci Pena Miranda


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