Nós aqui do Marajó na
Mídia, convidamos você a desfrutar deste excelente documento de Adriano
Gambarini. Formado em Geologia, espeleólogo, fotografo e mergulhador, é membro
do Conselho do Instituto Pró-Carnívoros, fotografa para WWF, TNC, CI e
Instituto Terra Brasilis. É autor de oito livros fotográficos e dois de poesia,
produz matérias para revistas ambientais e possui mais de 80 mil imagens de
biomas, biodiversidade, cavernas e cultura do Brasil, Antártida e 17 países.
vale a pena apreciar este trabalho que pode colaborar inclusive com suas
pesquisas e estudos.
Veja as imagens
A neblina ainda nem
sumiu direito e o sol quente ainda por vir já prenunciava uma aventura um tanto
ousada pelas águas do Pará: sair remando de Belém em caiaques oceânicos, cruzar
a temida Baia de Marajo e seguir pelo Rio Arari, que corta praticamente de sul
a norte toda a ilha. Já no extremo norte, cruzar o Canal do Sul, um dos braços
violentos da Foz do Rio Amazonas, e terminar a viagem na Ilha Mexiana,
exatamente no Marco Zero da Linha do Equador. Uma viagem prevista para durar 15
dias, e nada mais nada menos, do que 350 km de remada! Ao todo foram cinco
caiaques, sendo um duplo; um pequena traineira de apoio propiciava um pouco
maior de mobilidade para minha documentação fotográfica, carregando parte dos
equipamentos – durante todo tempo em que remei, trabalhei com câmera de
mergulho.
Uma jornada arriscada o
suficiente para os pescadores incrédulos balbuciarem: “Com estes casquinhos não
chegam nem em Cotijuba!” (25 km dali). A dificuldade já conhecida pelo povo
local está principalmente na travessia do Rio Pará, na Baia do Marajó, famosa
por seu mau humor e que os pescadores locais só enfrentam com muita cautela.
Mas surpreendentemente o dia amanheceu nublado, ótimo para acalmar os nervos
destas águas tempestuosas. O destino, após 8 horas de travessia e um vento de
20 nós pegando alguns de surpresa, foi a Vila de Tartarugueiro , na entrada do
Rio Arari. A Vila, fundada por descendentes de escravos, tem uma população que
não chega às 100 pessoas, praticamente todos parentes; vivem da pesca, produção
de açaí, bacuri, mandioca e outras frutas amazônicas que são vendidas
semanalmente nos mercados de Belém.
O Arquipélago do Marajó é
considerado o maior arquipélago flúvio-marítimo do mundo, sendo que a ilha
possui uma área que ultrapassa os 40 mil km2. Mais de 2 mil ilhas e ilhotas se
espalham pelos meandros insulares. Extremamente plana, possui alguns montes
considerados artificiais, chamados de ‘tesos’, cuja origem, dizem, remonta da
época pré-colombiana feitos pelos índios locais. Dizem...
Quanto a fisionomia da paisagem,
Marajó está longe de ser apenas charcos habitados por búfalos. Em todo o
percurso da expedição pude notar uma grande variação de ecossistemas, que vai
de floresta ombrófila densa, campos mistos alagados e campos de várzea,
manguezais e cerrado. As tempestades foram uma constante; mas da mesma forma
como surgiam, desapareciam por enquanto.
A primeira cidade alcançada foi
Cachoeira do Arari , onde encontra-se o Museu do Marajó, fundado informalmente
pelo italiano Giovanni Gallo em1972. Mas em 1984 tornou-se efetivo e aberto ao
público, com uma infinidade de achados arqueológicos, cerâmicas, utensílios,
memória dos hábitos e modos de vida do povo marajoara. O mais
surpreendente, nestes confins
brasileiros é encontrar lugares assim, cuja proposta de resgate e conservação
da história do pais só acontece pela iniciativa individual de pessoas
visionarias. Vi cerâmicas e urnas funerárias em quintais de sítios num
verdadeiro cenário arqueológico a céu aberto.
Após Cachoeira do Arari,
começamos a usar os famosos ‘furos’ – pequenos atalhos entre a vegetação
rasteira dos campos - que cortam, e confundem, os caminhos. Na linha d’água
tudo é absolutamente igual, e é fantástica a capacidade dos moradores se localizarem
naquele mar de água, pasto e flores aquáticas. Muitos destes “furos” são
criados com as movimentações dos búfalos, que pesadamente formam trilhos nos
campos na época seca, e canais nos períodos de chuva. Dizem até que todo esta
movimentação durante todas as décadas de criação bufalina vêm alterando
consideravelmente a hidrologia da ilha. Dizem...
A Vila de Jenipapo , considerada
a maior estiva do mundo, foi alcançada após alguns dias. Na realidade é uma
grande vila suspensa em palafitas, toda em madeira e, dizem, com mais de 10 km
de pontes que ligam as casas, igreja, comércio, chiqueiros, hortas.
Tudo acontece sobre pontes , tudo
é despejado dentro d’água... Há poucos quilômetros de Santa Cruz do Arari,
importante cidade à beira do Lago Arari. Passagem para os barcos que
transportam pessoas e mantimentos de Belém até a borda norte da ilha. Não é
incomum ver búfalos montados como se
fossem cavalos, com direito a cela e alforje pra carregar compras e que ficam
estacionados na entrada dos bares, onde vaqueiros (ou será bufaleiros?) se
acotovelam entre as mesas de sinuca; e entre uma cachaça e outra, um quebra-pau
pra relaxar.
Sétimo dia de viagem, e os calos
e as micoses começaram a mostrar sinais de vitalidade. Após Santa Cruz do Arari
percebemos um característica fluvial muito interessante; até chegarmos no Lago,
pegamos corrente contra o tempo todo, já que as águas do rio Arari deságuam no
Rio Pará. Já nesta porção norte é o contrário, e pelo fato do canal dos Mocoões
– construído artificialmente para facilitar o transito de barcos que
transportam búfalos – ser mais estreito, a corrente é maior e favor em direção
à Foz do Amazonas.
A paisagem agora configura apenas
campos de fazenda, e não foram poucas as vezes em que nos perdemos, apesar das
coordenadas e GPS a postos. Por conta do trânsito permanente de búfalos, e por consequência,
roubos frequentes, a tranquilidade de eventuais descansos nas margens era
constantemente frustrada por jagunços armados.
A passagem pelo Rio Egito trouxe
de volta o mistério natural que ronda esta ilha; águas negras e frias,
estreito, pouco ensolarado, com grandes extensões de mururés (espécie de planta
aquática) fechando e dificultando a remada, e aumentando a chance de um encontro
às escuras com alguma sucuri moradora. E assim foi até Arapixi, uma verdadeira
cidade cenográfica próximo ao Canal do Sul. Formada por um ‘quadrado’ de casas
que circundam a igreja, todas de madeira, cuidadosamente pintadas, reformadas e
suspensas. É rodeado por plantações naturais de açaí e palmeiras buriti, dando
um ar ainda mais bucólico.
A última
etapa da viagem, a travessia do Canal até Ilha Mexiana foi abortada por conta
das ondas amazônicas impedindo qualquer tentativa ousada de navegação. Aliás, a
tentativa aconteceu, mas dois caiaques viraram com sérias avarias e perda de
equipamento.
Mas na
Ilha Mexiana, o destino final do marco zero da Linha do Equador foi alcançado,
assim como a certeza de que o Brasil, é antes de tudo, um mundo a ser
explorado. E cuidadosamente cuidado, antes que acabe...
* A expedição foi
organizada pela Kaluanã, agencia de esportes de aventura em Belém. Contou com
um grupo de 7 pessoas + apoio de pessoas locais.
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