segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Entrevista com Assunção do Socorro Correa Novais o “Cacau”, membro do CODETEM


Entrevista para Marajó na Mídia concedida pelo Sr. Assunção do Socorro Correa Novais o “Cacau”, membro do CODETEM (Coordenação de Desenvolvimento do Território do Marajó). Nesta entrevista Cacau fala sobre a missão do CODETEM explicando como é feito o trabalho desse grupo de marajoaras, suas principais reivindicações e proposições diante dos governos municipais, estadual e federal, identifica alguns dos maiores problemas que entravam o desenvolvimento do Marajó. Acompanhem agora a nossa entrevista com esse Pescador Artesanal, nascido em Curralinho, que nos brinda com sua apurada visão geopolítica sobre o Marajó.

Marajó na Mídia - Quando foi criado o CODETEM?
CACAU – O CODETEM já vinha sendo discutido há muito tempo, junto com o Plano do Marajó, dentro da visão da Igreja Católica. Já era comentado desde as Comunidades Eclesiásticas de Base (CEB’S), até que se chegou ao ponto de criar o Plano do Marajó e o Governo Federal criou o Programa do Território da Cidadania. Como o Marajó contempla os dois, foi que resolvemos fazer a unificação dos projetos, é nesse momento que nasce o colegiado, a partir do ano de 2006.

MM- Qual é atuação do CODETEM no Marajó?
CACAU – Atuamos no controle das obras sociais, dos planos macros que surgem provenientes do Plano do Marajó. Opinamos e colaboramos com as decisões através do PROINF (Secretaria de Desenvolvimento Territorial), sobre as obras de infraestrutura para o Marajó. Atuamos na fiscalização dos recursos provenientes do Governo Federal para as ilhas.

MM – Quais são os principais temas debatidos pelo CODETEM atualmente?
CACAU – Nesse final de ano de 2011, saímos de uma plenária sobre regularização fundiária, que é o que emperra todas as obras de infraestrutura do Governo Federal e Estadual dentro dos municípios, pela não regularização das áreas e, estamos finalizando o planejamento do “Olhar Marajoara Sobre a Educação Ribeirinha”, onde vamos tratar todos os projetos do governo com a visão do marajoara, para melhor adequá-los à nossa realidade, seja ela educação do campo, ribeirinha ou informal. Em seguida temos uma programação para Muaná, onde trataremos sobre a sustentabilidade do setor pesqueiro da ilha, que é um dos fatores fundamentais, pois todo marajoara direta ou indiretamente pratica e, num terceiro momento, discutiremos a situação da sobrevivência do lago Ararí, nós propusemos a transformação deste em uma reserva para resguardamos sua sobrevivência. Nós do CODETEM pretendemos discutir esse tema junto aos órgãos públicos das regiões de campos.

MM - Qual a formação do CODETEM?
CACAU – Somos formados por 31 entidades do Poder Público e 31 da Sociedade Civil Organizada, somando 62 entidades, mas, nem todas estão em atividades, por isso, uma das metas de Portel é fazer a redução dessas que estão inertes, para que possamos ganhar maior mobilidade.

MM - Existe remuneração para os membros do CODETEM?
CACAU – Não! Nem um membro da Sociedade Civil recebe salário, nosso trabalho é voluntário! O que é mantido pelas entidades, como no caso a Z37, que é a minha, ela subsidia as nossas passagens e alimentação quando estamos participando de debates fora do nosso eixo, existem casos de alguns dos eventos, em que somos convidados a participar, pagarem nossas passagens, alimentação e hospedagem.

MM- Qual o grande diferencial das pessoas que compõem o grupo CODETEM?
CACAU – Acredito que seja pelo fato de que o grupo é constituído por quilombolas, movimento de mulheres, pescadores, assentados, produtor rural, entre outros. É todo esse povo que vem através do colegiado dizer o que sente, o que quer e onde está doendo, para o governo. É a partir dessas realidades que nos credenciamos e procuramos nos qualificar para discutir nossas necessidades e, graças a Deus, é através disso que estamos avançando bastante em nossas negociações com o governo.

MM – É pelo fato de todos serem nativos, que você defende a tese de que o “Programa Olhar Marajoara Sobre a Educação” tem de ser pensado como um plano ribeirinho e não de centro urbano?
CACAU – Veja! Existe a questão da cidade, mas quando nós falamos “ribeirinho” é porque o Governo Federal tem uma política para todo o país, não tem uma política diferenciada e, em nossa visão, o Marajó tem um diferencial geográfico gigantesco, com a acessibilidade das mais difíceis. Nossa geografia de furos e campos é totalmente diferenciada do resto do país então, quando colocamos pro governo “Educação Ribeirinha” é pra mostrar que a maioria absoluta da população marajoara está concentrada nas comunidades ribeirinhas e não nos centros, onde o número é bem inferior e, é lá que estão os maiores índices de analfabetismo do arquipélago. O diagnóstico do governo, não condiz com a nossa realidade, com isso a política governamental não nos atinge, o exemplo disso é que o MEC (Ministério da Educação) não nos contempla com um de seus planos para a construção de escolas e, por conseguinte, o Ministério da Saúde pela construção de postos de saúde, porque o programa de ambos, só constrói esses prédios de alvenaria em terra firme. Como é que eu vou construir uma escola de alvenaria numa área de várzea ou na beira de um rio? Este é o motivo de nossas propostas irem de encontro com essa prática dentro das plenárias e reuniões que participamos. Encaminhamos documentos comprovando que nossa realidade é totalmente diferente do sul e sudeste do Brasil.

MM – Com isso, você afirmaria que fazer políticas públicas para o sul, sudeste e centros urbanos são muito mais fáceis do que pro Marajó?
CACAU – É bem diferente e muito mais difícil! Geralmente, os técnicos do governo, não conhecem a realidade de cada área, baseiam-se em alguns focos do sul e sudeste e os planos são elaborados em Brasília. Não são ouvidos os pesquisadores e nem o marajoara. Sua prática é tentar adaptar suas propostas para a nossa situação, que é totalmente diferente. O custo/aluno do Marajó é três, quatro vezes maior do que o MEC propõe. A alimentação é diferenciada, a acessibilidade é por barco e canoa. Tudo isso, transformamos em pauta, para mostrar para o governo qual é a nossa verdadeira realidade e necessidades. Pra você ter uma ideia o aluno marajoara gasta de 2 a 3 horas para chegar à escola ou sala de aula, esses fatores não estão contemplados dentro do plano do Governo Federal. A realidade do sul e sudeste nas regiões metropolitanas é outra, eles têm o ônibus, que tem acento, cinto de segurança, estradas com algum policiamento, entre vários outros fatores que os favorecem, aqui, nossos barcos não são adaptados, não possuem salva-vidas, não possuem iluminação para a navegação noturna, não tem rádio de comunicação, se acontecer algum problema eles ficam à deriva por conta da própria sorte. Eu afirmo, que é um descaso total, na hora de comparar a educação do Marajó com a de uma área metropolitana e dos grandes centros.

MM – Você considera essa realidade um entrave para o desenvolvimento do Marajó?
CACAU – Em minha opinião esse é o principal! Avançamos muito quando nucleamos alguns municípios porém, quando o MEC e a SEDUC elaboram os projetos, eles orçam o mesmo valor pro sul, que tem áreas de terra firme ou de melhor acesso e esse mesmo valor para o Marajó. Eu não estou aqui defendendo a administração pública dos municípios, mas não tem como uma Secretaria de Educação aplicar 100% do recurso e ter os mesmos resultados da educação de fora. Essa Secretaria, pra conseguir o resultado de um aluno, ela tem que investir, em dinheiro e tempo, o equivalente a quatro ou cinco alunos, ou seja, é uma conta que não bate.

MM – Quanto ao desenvolvimento econômico do Marajó, o que vem sendo feito por parte do governo e qual as proposições do CODETEM quanto a essa matéria?
CACAU – No momento estamos pedindo retorno das pesquisas que foram feitas no Marajó por alguns órgãos do governo, que sabem de nossa qualitativa de produção, sabem o que nós produzimos, porém não tem políticas estruturantes para o beneficiamento do nosso produto. Temos uma grande produção de açaí, peixe, camarão, óleos vegetais, madeira. Só, que, dentro desse contexto, as políticas do Governo Federal acabam ficando pelo caminho, devido não ter a regularização para ser implantada. Por exemplo, uma agroindústria, os técnicos, os engenheiros químicos, arquitetos ou qualquer um da área, cobram o triplo do valor, em vez deles passarem um dia, acabam levando quatro, cinco dias pra realizar um estudo que, nas áreas urbanas eles concluem em um dia. Tudo é mais caro e, o governo não faz essa contabilidade, querem pagar o mesmo valor do trabalho que é feito em Belém pro trabalho a ser realizado aqui no Marajó. Ainda nesse contexto de produtividade, nós estamos cobrando que, na área da pesca, do camarão, seja feito o beneficiamento desse produto no Marajó e, com o subproduto, nós possamos produzir adubo, ração. Tem a questão da farinha, óleos vegetais, as rebío - que são os biomas naturais-, o artesanato, cerâmica, toda a nossa cultura, em si, não esta sendo olhada com o devido valor. E, o nosso colegiado, esta aqui para abrir os olhos do poder público, pra mostrar que nós temos tudo isso e, nós sabemos fazer nosso artesanato, nossos apetrechos de pesca, sabemos pescar nosso camarão. Mas queremos estrutura pra trabalhar, nós produzimos e nossas estatísticas estão indo pro MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - e Belém e, se você olhar essas estatísticas do Governo Estadual e Federal, o Marajó não produz nada, o IDH do Marajó é baixo porque o governo comenta, mas não investe! Nós estamos tentando manter um discurso qualificado para ir em contraponto de tudo que é posto por parte deles, nós também somos vistos como potencial turístico, porém, não há investimento.

MM – Então, pra que servem essas estatísticas sobre o Marajó, sempre repetidamente baixas, contendo alguns dos piores índices do mundo, se tão pouco é feito para a resolução dos problemas?
CACAU – Da pra interpretar da seguinte forma: isso parece que é feito para que a sociedade civil nacional e internacional veja o Marajó como se fosse um coitadinho. Nós não somos coitadinhos e nem queremos ser vistos dessa forma. Nós temos e sabemos qual é o nosso potencial e não queremos ninguém vindo com uma esmolinha na mão. Nós queremos que venham, sim, mas que tragam políticas estruturantes e, não, mão-de-obra de fora. Queremos qualificar a mão-de-obra local para que o nosso produtor, o nosso pescador, o irmão ribeirinho possam evoluir dentro do que nós temos e sabemos fazer, e nós temos muito, ou será que ainda não deu pra ver? Nós temos terra, temos conhecimento, somos trabalhadores honestos, filhos desta terra. Os técnicos têm que vir pra adaptar o conhecimento técnico à nossa mão-de-obra local, à nossa própria história, como “tu citou”. Já vem fazendo e provando isso, porque muito antes de chegar qualquer cidadão, os índios já represavam o rio para criar peixe, nosso conhecimento é hereditário, seja para a cultura, história, que pode ser explorada turisticamente, entre tantos outros investimentos. O que falta é o governo abrir os olhos e não trabalhar o Marajó como se fosse apenas esse ou aquele município e, sim, reconhecendo que nós somos constituídos de 16 municípios, com culturas diferenciadas que precisam de políticas diferenciadas.

Da redação:
MARAJÓ NA MÍDIA

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